Competição e extinção
Paulo
Rosenbaum - médico e escritor
Não
é só pelo aumento estatístico das taxas de suicídios verificados no mundo,
especialmente depois da crise econômica de 2008 — segundo estudo publicado recentemente no British Medical Journal, 5 mil
pessoas a mais do que o esperado tiraram a própria vida em 2009 — nem
pelos crescentes aumentos dos índices de violência urbana e doméstica,
mas pela natureza cada vez mais corrente e vulgar com que o trágico nos rodeia.
O aumento da velocidade das informações é apenas um fator na perigosa
estrada inacabada.
A frieza com que a
ciência trata os números não decorre de uma crueldade especial da estatística e
da matemática mas da necessidade de não se pensar aspectos incompreensíveis da
realidade, pelo menos tentar explicitá-los à nossa própria percepção.
Especialistas se
dividem na análise destes fenômenos. A maioria avalia que se trata de um
contexto específico que gera e mistura elementos de pressão social com a
tendência cada vez mais forte de replicar uma coletividade com comportamentos
individualistas e competitivos — o sustentáculo de nossa organização
cultural — e que a hipersegmentação social criaria nos grandes
centros urbanos ilhas de isolamento e penínsulas de insatisfação. Mas será
mesmo a solidão o elemento determinante? Pode haver solidão quando se está com
outros, nos compartilhamentos, e pode haver diálogo mesmo quando não
temos alguém por perto.
O
psicanalista Joel Birman publicou contundente artigo no jornal O Estado de S. Paulo abrindo
boa discussão sobre a relação entre os estados depressivos e a performance das sociedades no contexto do fim da pós-modernidade. O que
criamos foi uma corrida extravagante e insana. Um cotidiano que privilegia o
consumo e enaltece a busca da distração como categoria de sucesso, e portanto
significando que aí está o “bem viver”. Frustrados, com a impossibilidade de
uma ou ambas dessas premissas nirvânicas, nos restaria o ostracismo das ilhas
de posse e o exílio da bem-aventurança do entretenimento. O resultado nos faz
mergulhar, todos, em uma espécie de abismo de difícil nomeação. Nele, a tônica
essencial, e portanto a única saída, é a medicalização da subjetividade ou
recorrer à resignação extemporânea que nos torne aptos a estornar as mazelas no
fim do dia. Busca-se tratamento para infelicidade e angústia quando alguma
enfermidade está na crise de sentido. O sofrimento é uma trinca interna,
e é ela que responde pela ilusão de que a extinção é preferível à vida. E a
pulsão de morte, ardilosa, pode funcionar ao modo de epidemia, infelizmente.
Os tratamentos
podem ou não funcionar, e a resignação alcança, no máximo, fazermos encarar a
existência miúda como um bônus de consolação por nossa inépcia difusa. O preço
por nossa má inoperância em gerar renda, status e lazer é não poder ter uma
vida com significado. Isso significa não ter amigos, não poder contar com eles,
pois tudo indicaria que aqueles que existem, provavelmente, não seriam
confiáveis. Esta crise nas relações poderia estar diretamente relacionada com a
sensação de que dar cabo da própria vida seria medida eficiente para reduzir a
tensão a zero conforme a hipótese de Canguilhen. Inútil dizer que isso não é eficiência. Enquanto isso, janelas, venenos, armas brancas e de
fogo vivem sendo usados como instrumentos para as últimas deliberações de uma
pessoa.
A busca por uma
sociedade que faça sentido é a busca mesma do sujeito que se enxergue, o que
faz, com quem faz e para que faz. É abandonar os manuais, escancarar as teorias
da vida e orientar-se pela totalidade de sintomas e sinais de nosso desejos e
aspirações, integradores de nossos sonhos, que guiam nossa intuição e coração.
Talvez não haja nenhuma saída fácil para quem acha que nada mais faz sentido.
Apenas fazê-los saber que não há fim do mundo, enquanto ele puder contar
consigo e, portanto, gente para conversar.
(fonte: JBonline)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Meus amigos e amigas sejam sempre bem vindos, eu agradeço aos gentis e inteligentes comentários no meu humilde espaço de reflexão, expressão e comunicação. Espero o seu retorno. Um forte abraço.