Carlos Drummond de Andrade
A necessidade brasileira de esquecer os
problemas agudos do país, difíceis de encarar, ou pelo menos de suavizá-los com
uma cota de despreocupação e alegria, fez com que o futebol se tornasse a
felicidade do povo. Pobres e ricos param de pensar para se encantar com ele. E
os grandes jogadores convertem-se numa espécie de irmãos da gente, que detestamos ou amamos
na medida em que nos frustram ou nos proporcionam o prazer de um espetáculo de
90 minutos, prolongado indefinidamente nas conversas e mesmo na solidão da
lembrança.
Mané Garrincha foi um desses ídolos providenciais com que o
acaso veio ao encontro das massas populares e até dos figurões responsáveis
periódicos pela sorte do Brasil, ofertando-lhes o jogador que contrariava todos os princípios
sacramentais do jogo, e que no entanto alcançava os mais deliciosos resultados.
Não seria mesmo uma indicação de que o país, despreparado para o destino
glorioso que ambicionamos, também conseguiria vencer suas limitações e
deficiências e chegar ao ponto de grandeza que nos daria individualmente o
maior orgulho, pela extinção de antigos complexos nacionais? Interrogação que
certamente não aflorava ao nível da consciência, mas que podia muito bem
instalar-se no subterrâneo do espírito de cada patrício inquieto e insatisfeito
consigo mesmo, e mais ainda com o geral da vida.
Garrincha, em sua irresponsabilidade amável, poderia, quem
sabe?, fornecer-nos a chave de um segredo de que era possuidor e que ele mesmo
não decifrava, inocente que era da origem do poder mágico de seus músculos e
pés. Divertido, espontâneo, inconsequente, com uma inocência que não excluía
espertezas instintivas de Macunaíma — nenhum modelo seria mais adequado do que
esse, para seduzir um povo que, olhando em redor, não encontrava os sérios
heróis, os santos miraculosos de que necessita no dia-a-dia. A identificação da sociedade com ele fazia-se
naturalmente. Garrincha não pedia nada a seus admiradores; não lhes exigia
sacrifícios ou esforços mentais para admirá-lo e segui-lo, pois de resto não
queria que ninguém o seguisse. Carregava nas costas um peso alegre, dispensando-nos
de fazer o mesmo. Sua ambição ou projeto de vida (se é que, em matéria de
Garrincha, se pode falar em projeto) consistia no papo de botequim, nos
prazeres da cama, de que resultasse o prazer de novos filhos, no
descompromisso, afinal, com os valores burgueses da vida.
Não sou dos que acusam dirigentes do esporte, clubes,
autoridades civis e torcedores em geral, de ingratidão para com Garrincha. Na
própria essência do futebol profissional se instalam a ingratidão e a
injustiça. O jogador só vale enquanto joga, e se jogar
o fino. Não lhe perdoam a hora sem inspiração, a traiçoeira indecisão de um
segundo, a influência de problemas pessoais sobre o comportamento na partida. É
pago para deslumbrar a arquibancada e a cadeira importante, para nos desanuviar
a alma, para nos consolar dos nossos malogros, para encobrir as amarguras da
Nação. Ele julga que entrou em campo a fim de defender o seu sustento, mas
seu negócio principal será defender milhões de angustiados presentes e
ausentes contra seus fantasmas particulares ou coletivos. Garrincha foi um
entre muitos desses infelizes, dos quais só se salva um ou outro predestinado,
de estrela na testa, como Pelé.
A simpatia nacional envolveu Mané em todos os lances de sua
vida, por mais desajustada que fosse, e isso já é alguma coisa que nos livra de
ter remorso pelo seu final triste. A criança grande que ele não deixou de ser
foi vitimada pelo germe de autodestruição que trazia consigo: faltavam-lhe
defesas psicológicas que acudissem ao apelo de amigos e fãs. Garrincha, o
encantador, era folha ao vento. Resta a maravilhosa lembrança de suas incríveis
habilidades, que farão sempre sorrir a quem as recordar. Basta ver um filme dos jogos que ele disputou: sente-se logo como o
corpo humano pode ser instrumento das mais graciosas criações no espaço,
rápidas como o relâmpago e duradouras na memória. Quem viu Garrincha atuar não
pode levar a sério teorias científicas que prevêem a parábola inevitável de uma
bola e asseguram a vitória — que não acontece.
Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo
irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar
de tudo e de todos, nos estádios. Mas como é também um deus cruel, tirou do
estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino.
Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas
tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha
disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.
*Crônica publicada em 22 de janeiro de 1983, no Jornal do Brasil
Grande Mané esse...abraços de boa semana...
ResponderExcluirUm grande e eterno ídolo!
ExcluirAmizade, bem precioso
ResponderExcluirQue a vida pode nos dar
Tesouro muito valioso
Que ninguém consegue roubar.
A amizade verdadeira,
Não tem hora,não tem lugar.
Também não é passageira
Quando vem, é para ficar.
È assim mesmo uma grande amizade,
e eu tenho você como um tesouro na minha vida.
Uma semana rica de saúde farta de amor iluminada pela esperança
junte tudo isso e poderá sentir no seu coração .
Quanto Deus te abençoa a cada amanhecer.
Uma linda semana beijos no coração carinhosamente .
Evanir..
Obrigado Evanir
ExcluirUm bom dia pra ti meu amigo,,,abraços.
ResponderExcluirObrigado pela presença amigo.
ExcluirOlá, carlos!
ResponderExcluirAnálise pertinente,esta, feita por quem sabe do que fala.Se a memória não me falha, lembro-me dele do campeonato do Mundo de 1970; será? Artista de pernas arqueadas, que era um prazer ver jogar.E que ajudava, como vários outros, a esquecer as agruras da vida, enquanto o jogo durava...
Abraço amigo, boa semana.
Vitor
Ele participou das copas de 58,62 e 66, em 70 infelizmente não!
ExcluirAmigo .
ResponderExcluirEu me esqueci de falar foi da postagem confesso a você meus olhos ainda não viu nenhum jogador com o talento do Mané.
Eu muito pouco recordo das lindas jogadas mais chorei muito quando ele morreu.
Na verdade muito se fala do Pelé realmente foi um dos melhores ,
mais o Mané sera sempre Mané.
Beijos linda tarde,Evanir..
Agradeço sua nobre visita Evanir, o mané para mim é um rei da bola sempre.
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