Abaladora foi a noite de setembro.
Eu trazia na roupa
a tristeza do trem que me trazia
cruzando uma por uma as províncias:
eu era esse ser remoto
turbado pela fumaça do carvão
da locomotiva.
Eu não era.
Tive de encarar então a vida.
Minha poesia me incomunicava
e me agregava a todos.
Naquela noite
me coube declarar a Primavera.
A mim, pobre sombrio,
me fizeram desatar a vestimenta
da noite desnuda.
Tremi lendo ante duas mil orelhas desiguais
meu canto.
A noite ardeu
com todo o fogo escuro
multiplicando-se na cidade,
na urgência imperiosa do contato.
Morreu a solidão aquela vez
ou nasci eu de minha solidão?
*
Vivi na desordem de pátrias não nascidas,
em colônias que ainda não sabiam nascer,
com bandeiras inéditas que se ensangüentariam.
Vivi na fogueira de povos malferidos
comendo o pão estranho em meu padecimento.
*
Cada um no casaco mais oculto guardou
as alfaias perdidas da memória,
intenso amor, noites secretas ou beijos permanentes,
parcela de felicidade pública ou íntima.
Alguns, inquietos, colecionaram quadris,
outros homens amaram a madrugada esquadrinhando
cordilheiras ou tímbales, locomotivas, números.
Para mim a felicidade foi compartir cantando,
louvando, imprecando, chorando com mil olhos.
Peço perdão pelo mau comportamento:
não teve utilidade minha gestão na terra.
In Ainda, tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
Eu trazia na roupa
a tristeza do trem que me trazia
cruzando uma por uma as províncias:
eu era esse ser remoto
turbado pela fumaça do carvão
da locomotiva.
Eu não era.
Tive de encarar então a vida.
Minha poesia me incomunicava
e me agregava a todos.
Naquela noite
me coube declarar a Primavera.
A mim, pobre sombrio,
me fizeram desatar a vestimenta
da noite desnuda.
Tremi lendo ante duas mil orelhas desiguais
meu canto.
A noite ardeu
com todo o fogo escuro
multiplicando-se na cidade,
na urgência imperiosa do contato.
Morreu a solidão aquela vez
ou nasci eu de minha solidão?
*
Vivi na desordem de pátrias não nascidas,
em colônias que ainda não sabiam nascer,
com bandeiras inéditas que se ensangüentariam.
Vivi na fogueira de povos malferidos
comendo o pão estranho em meu padecimento.
*
Cada um no casaco mais oculto guardou
as alfaias perdidas da memória,
intenso amor, noites secretas ou beijos permanentes,
parcela de felicidade pública ou íntima.
Alguns, inquietos, colecionaram quadris,
outros homens amaram a madrugada esquadrinhando
cordilheiras ou tímbales, locomotivas, números.
Para mim a felicidade foi compartir cantando,
louvando, imprecando, chorando com mil olhos.
Peço perdão pelo mau comportamento:
não teve utilidade minha gestão na terra.
In Ainda, tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
Muito lindo e Neruda, sempre Neruda.Um encanto!abraços,chica
ResponderExcluirDifícil ler e entender a poesia de P Neruda.
ResponderExcluirNeruda usa as palavras de uma forma fora do convencional..
ResponderExcluirisso me encanta
bjs.Sol
Meu amigo
ResponderExcluirUm maravilhoso poema de Neruda...que eu adoro.
beijinhos
Sonhadora
Neruda em construção interior, não somos nada sem os outros.
ResponderExcluirAbraço
Lindo *-*
ResponderExcluirNão importa quão difícil seja o texto! Porque a felicidade está em ler e reler!
Neruda... sempre...
Bjkas