sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Vale a leitura.


 

                Competição e extinção
Paulo Rosenbaum - médico e escritor

Não é só pelo aumento estatístico das taxas de suicídios verificados no mundo, especialmente depois da crise econômica de 2008 — segundo estudo publicado recentemente no British Medical Journal, 5 mil pessoas a mais do que o esperado tiraram a própria vida em 2009 — nem pelos crescentes aumentos dos índices de violência urbana e  doméstica, mas pela natureza cada vez mais corrente e vulgar com que o trágico nos rodeia. O aumento da velocidade das informações é apenas um fator na perigosa estrada inacabada.   
A frieza com que a ciência trata os números não decorre de uma crueldade especial da estatística e da matemática mas da necessidade de não se pensar aspectos incompreensíveis da realidade, pelo menos tentar explicitá-los à nossa própria percepção.
Especialistas se dividem na análise destes fenômenos. A maioria avalia que se trata de um contexto específico que gera e mistura elementos de pressão social com a tendência cada vez mais forte de replicar uma coletividade com comportamentos individualistas e competitivos  — o sustentáculo de nossa organização cultural — e que a hipersegmentação social criaria nos grandes centros urbanos ilhas de isolamento e penínsulas de insatisfação. Mas será mesmo a solidão o elemento determinante? Pode haver solidão quando se está com outros,  nos compartilhamentos, e pode haver diálogo mesmo quando não temos alguém por perto.

O psicanalista Joel Birman publicou contundente artigo no jornal O Estado de S. Paulo abrindo boa discussão sobre a relação entre os estados depressivos e a performance das sociedades no contexto do fim da pós-modernidade. O que criamos foi uma corrida extravagante e insana. Um cotidiano que privilegia o consumo e enaltece a busca da distração como categoria de sucesso, e portanto significando que aí está o “bem viver”. Frustrados, com a impossibilidade de uma ou ambas dessas premissas nirvânicas, nos restaria o ostracismo das ilhas de posse e o exílio da bem-aventurança do entretenimento. O resultado nos faz mergulhar, todos, em uma espécie de abismo de difícil nomeação. Nele, a tônica essencial, e portanto a única saída, é a medicalização da subjetividade ou recorrer à resignação extemporânea que nos torne aptos a estornar as mazelas no fim do dia. Busca-se tratamento para infelicidade e angústia quando alguma enfermidade está na crise de sentido.  O sofrimento é uma trinca interna, e é ela que responde pela ilusão de que a extinção é preferível à vida. E a pulsão de morte, ardilosa, pode funcionar ao modo de epidemia, infelizmente.
Os tratamentos podem ou não funcionar, e a resignação alcança, no máximo, fazermos encarar a existência miúda como um bônus de consolação por nossa inépcia difusa. O preço por nossa má inoperância em gerar renda, status e lazer é não poder ter uma vida com significado. Isso significa não ter amigos, não poder contar com eles, pois tudo indicaria que aqueles que existem, provavelmente, não seriam confiáveis. Esta crise nas relações poderia estar diretamente relacionada com a sensação de que dar cabo da própria vida seria medida eficiente para reduzir a tensão a zero conforme a hipótese de Canguilhen. Inútil dizer que isso não é eficiência. Enquanto isso, janelas, venenos, armas brancas e de fogo vivem sendo usados como instrumentos para as últimas deliberações de uma pessoa.
A busca por uma sociedade que faça sentido é a busca mesma do sujeito que se enxergue, o que faz, com quem faz e para que faz. É abandonar os manuais, escancarar as teorias da vida e orientar-se pela totalidade de sintomas e sinais de nosso desejos e aspirações, integradores de nossos sonhos, que guiam nossa intuição e coração. Talvez não haja nenhuma saída fácil para quem acha que nada mais faz sentido. Apenas fazê-los saber que não há fim do mundo, enquanto ele puder contar consigo e, portanto, gente para conversar. 
(fonte: JBonline)

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