quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Mais Pablo Neruda




Abaladora foi a noite de setembro.
Eu trazia na roupa
a tristeza do trem que me trazia
cruzando uma por uma as províncias:
eu era esse ser remoto
turbado pela fuma
ça do carvão
da locomotiva.
Eu n
ão era.
Tive de encarar ent
ão a vida.
Minha poesia me incomunicava
e me agregava a todos.
Naquela noite
me coube declarar a Primavera.
A mim, pobre sombrio,
me fizeram desatar a vestimenta
da noite desnuda.
Tremi lendo ante duas mil orelhas desiguais
meu canto.
A noite ardeu
com todo o fogo escuro
multiplicando-se na cidade,
na urgência imperiosa do contato.
Morreu a solid
ão aquela vez
ou nasci eu de minha solid
ão?

* 

Vivi na desordem de pátrias n
ão nascidas,
em col
ônias que ainda não sabiam nascer,
com bandeiras in
éditas que se ensangüentariam.
Vivi na fogueira de povos malferidos
comendo o p
ão estranho em meu padecimento.

*
Cada um no casaco mais oculto guardou
as alfaias perdidas da memória,
intenso amor, noites secretas ou beijos permanentes,
parcela de felicidade pública ou íntima.
Alguns, inquietos, colecionaram quadris,
outros homens amaram a madrugada esquadrinhando
cordilheiras ou tímbales, locomotivas, números.
Para mim a felicidade foi compartir cantando,
louvando, imprecando, chorando com mil olhos.
Pe
ço perdão pelo mau comportamento:
n
ão teve utilidade minha gestão na terra.

In Ainda, tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.

6 comentários:

  1. Muito lindo e Neruda, sempre Neruda.Um encanto!abraços,chica

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  2. Difícil ler e entender a poesia de P Neruda.

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  3. Neruda usa as palavras de uma forma fora do convencional..
    isso me encanta

    bjs.Sol

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  4. Meu amigo

    Um maravilhoso poema de Neruda...que eu adoro.

    beijinhos
    Sonhadora

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  5. Neruda em construção interior, não somos nada sem os outros.

    Abraço

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  6. Lindo *-*
    Não importa quão difícil seja o texto! Porque a felicidade está em ler e reler!
    Neruda... sempre...

    Bjkas

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